Poema de uma Conchinha

Já fui completa nas primeiras ondas de minha vida, 
Quando o céu era azul e a maré deveras calma... 
Mas impossível é permanecer imutável; 
Aos efeitos das mudanças de fases da lua. 
Tão logo perdi um pedaço de mim. 
Outras águas me conduziram 
Ao encontro de outras conchas incompletas; 
Mutiladas pelos açoites de um mar bravio.
Hoje já não sei o que me resta. 
Não sei, se a parte que penso que sou. 
Que integra um grande coral, 
Chega a ser eu. 
Ou se quem sabe sou. 
Aquele pedaço de mim, 
Perdido numa praia. 
À beira do oceano...
Rafaela Barreto
Foto: Rafaela Barreto

Vento e Tempestade

E essa sua mania de me arriscar no primeiro olho de tempestade. 
Com toda certeza de que sempre os bons ventos me trarão de volta. 
Sinto que o doce que eu tinha da vida foi diluído em lágrimas. 
Agora o que tenho a brindar é um cálice salubre, 
Sem os arroubos da juventude, 
Mas com o silêncio de velhas resignadas. 
Que foram viúvas sem um corpo pra chorar. 
Ou bens para herdar... 
Eu cá, com meus pensamentos excêntricos, 
De uma mulher de 24 anos com ares de 50. 
Que tem por alívio o trabalho árduo 
Que me toma a mente, 
E afasta as memórias desventurosas. 
Ah... sou uma dessas criaturas 
Que a maior ambição é querer receber 
O que pode dar. 
E que agora só nutre o desejo, 
Para que quando você não estiver nem aí, 
Eu não possa está aqui. 
E assim descobrirá que um porto seguro 
Às vezes se torna um cais cheio de adeus.

Rafaela Barreto

Encontros na Praça Olímpio Campos

Praça Olímpio Campos
Tenho lembranças dos meus tempos do Colégio Jackson de Figueiredo, as quais os anos ou infortúnio dificilmente fará que se apaguem na minha memória. Dentre elas, posso recordar que nessas minhas séries do Ensino Fundamental. Lá pelas tantas findava o turno da tarde, quando ecoava o sinal de saída, para assim podermos atravessar os portões abertos pelo Seu Paulo, porteiro de longa data, a saber, por também ter exercido tal profissão em um dos estabelecimentos educacionais frequentado por minha mãe. Caminhando rumo a minha casa deixava o prédio do colégio para trás, com suas enormes janelas e arquitetura de linhas simples, com alguns ornamentos em estilo barroco que assim se mantinham desde os tempos de Judite e Benedito de Oliveira. 

Fechavam-se as portas do colégio, abriam-se para mim as portas da escola da vida... Em meus retornos para casa, por vezes acompanhada por alguma companheira de estudos, ou então, como em sua maioria, solitários. Ao cruzar pela Praça Olímpio Campos, eu pude desfrutar de encontros com figuras nobres e inusitadas... Não eram raras às vezes que podíamos encontrá-las. J. Inácio era um dessas personalidades, o artista sempre andarilhava pelas ruas de Aracaju, com muita simplicidade. Fácil era identificá-lo, sua roupa

Homenagem ao Nascimento do Escritor Lima Barreto

Se hoje, o seria impossível, Lima Barreto estivesse vestido em sua roupa carnal estaria completando 154 anos. Porém ele tem perpetuado nas máscaras de Isaías Caminha, Policarpo Quaresma, Gonzaga de Sá, Leonardo Flores e Vicente Mascarenhas, personagens que são como toda a sua obra a expressão de sua vida, onde foi intérprete dos medíocres, dos apagados, dos massacrados pela Sociedade.

Não fez Literatura por vaidade, embora aspirasse ter sua imortalidade, uma vez que para ele perder a vida em vida é muitas vezes a condição de vencer a morte. Seus livros eram propositalmente mal feitos, ásperos, nos quais ele tinha o intuito de desagradar e escandalizar.

Vivera caindo de bêbedo nas ruas, jogado no hospício, aposentado com um salário irrisório e seco, com o pai doido em casa, devendo dinheiro, mas, apesar de tantos infortúnios ainda encontramos no Criador de homens que sabiam javanês o grande romancista e o pioneiro de romance moderno.

É lastimável que Lima Barreto tenha sido vítima da boemia, a qual deve estar contente por ter levado um ser como Afonso Henriques de Lima Barreto. Certa vez concluíram que o Barreto não era dessas figuras comuns, das que desaparecem na morte, mas uma dessas resistências que avultam e impõe-se acima do túmulo, como um pedestal, e ficam eternas, representando o espírito de uma Era e a glória de um povo.

 Crônica lida na Arcádia Literária Estudantil, no ano de 2005, pela Árcade Lima Barreto. Em homenagem a data do nascimento do escritor Lima Barreto (13/05/1881)

Laços Maternos

São os seus passos lentos que adentram a madrugada. O silêncio noturno se quebra por tuas preces, o chão se inunda com suas lágrimas e atmosfera se enche de preocupações e pedidos. Afinal, quem mais que uma mãe para saber o que um filho precisa?!
És mulher de apenas um estribilho, de um propósito, de uma missão, de um clamor... Muitos são os vales em que temos estado, e são nos desertos que tens me ensinado. Hoje já crescida ainda insistes a me contar estórias e fábulas, dizendo que existe um Pastor que com sua vara e cajado rege nossas vidas com uma insuperável maestria...
Mas para mim a verdade é que em campos queimados e solos áridos, ao fitar os seus olhos esverdeados encontro toda a esperança que preciso.
 Uma vez me dissestes que uma mãe só possui seu filho integralmente ligado a ela, somente na fase gestação, enquanto eles estão em seu ventre, depois disso ficam arredios pelo mundo.  Porém eu afirmo que o cordão umbilical que nos une a todo tempo se restaura, quando suas lágrimas tocam ao chão e seus braços se estendem ao me afagar em mais um acalanto.
Lira Barroca

Pseudo


A corda frouxa me ilude dando a sensação de liberdade.
Não!Ela não machuca os meus pés
Sabe-se que ela é sonsa e risonha
Disseram-me que o roçar de meus tornozelos
Paulatinamente desgastaria o suplício da minha alma
Riam!!!Um dia foram promessas que me fizeram...
Nos recônditos obscuros de meu ser errante
Estremece o brado que me induz a avançar
Insanamente o obedeço.
Quixotescamente ensaio o espetáculo de minhas quimeras
Maquiadas com o sonho de um Arlequim
Não tarda que meus passos tornem-se etilicamente trôpegos...
... lerdos...não mais que hesitantes
Debruço-me ao espelho de minhas queixas e horrores
Ainda que o sol, este estúpido criador de ilusões
Brilha sob minhas cãs prematuras
Contemplo agonizante o meu âmago escondido
E assim deparo-me agora com uma inofensiva companheira:
A corda frouxa, a qual  sem muito esforço
Ainda consegue capturar o que não lhe pertence.
                                                                                Costela de Adão

Memórias do Rio de Ia

Rio Sergipe
Sou do tempo em que falar de ônibus circulando pela Barra dos Coqueiros era puro pedantismo. Também sou do tempo em que a Barra tinha mais coqueiros, (e quem sabe pelo tempo em que você está lendo essa crônica, possa ser que lá não existam mais, por isso que também digo que: sou do tempo que a Barra ainda tinha coqueiros), os quais povoavam a longa passarela que percorríamos rumo às margens do Rio, e assim atravessá-lo com destino a Aracaju. Meu pai aproveitava a vegetação local para me apresentar conceitos de geografia.
-Rafaela, você sabe por que aquela pequena lagoa permanece sempre cheia?!
- Não . Por quê?
- Você está vendo aquela vegetação ao redor da pequena lagoa?! É por causa dela que a lagoa não seca, isso se chama Mata Ciliar ou de Galeria, o intuito dela é proteger a água e evitar a erosão da lagoa, enquanto existir essa vegetação a lagoa permanecerá cheia em tempos de chuva ou não...
Assim ia a nossa caminhada e nossas conversas. Cada passo e cada olhar valiam uma nova descoberta e meus primeiros conhecimentos sobre o mundo.
Mas lembro-me que eu gostava mesmo era chegar próximo ao Rio. Entretanto não me lembro claramente quando comecei a pensar que o rio ele era meu, ou melhor, seria meu. Isso mesmo! Desde minha tenra idade tinha certeza que eu iria herdá-lo, no meu íntimo algo me dizia que o Rio pertencia ao meu pai. Ele era o majestoso conhecedor daquelas terras e dono daquele Rio. Então em minha mente pueril, nada era mais justo de dar ao rio o seu nome. Em minha imaginação ele era o Rio de Ia, uma vez que era de Ia que eu chamava meu pai.
Ah!... Não foram raras as vezes que eu o atravessava nos tó-tó-tós ( pequenas embarcações mercantes, denominadas dessa forma pelo barulhos que o motor fazia quando fazia a travessia do rio). Ocorre que meus ânimos naquele momento ficavam eufóricos, e passava todo o trajeto berrando:
- Olha o Rio de Ia. Esse rio é do meu pai, esse rio é meu. Rio de Ia...
Acontece que minha primeira desilusão de criança não foi descobrir que Papai Noel não existia, e sim saber que aquele Rio não era do meu pai, e que ele nunca seria meu... Descobri que ele não se chamava Rio de Ia coisa alguma. Seu nome era Rio Sergipe, e chama-se assim porque antes de mim alguém o denominou em tupi de Rio de Siris. Também soube que ele era bem maior do que eu pensava, ele vinda de longe da Serra Negra, na divisa entre Bahia e Nossa Senhora da Glória, e que ele estava ali entre a Barra e Aracaju pra enfim ter seu encontro com o mar, desaguando no Oceano Atlântico...
Entretanto, com o passar dos anos o Rio Sergipe vem sofrendo mudanças... Pelo fato de ele passar por cerca de 25 cidades do Estado, percorrendo 210 Km até o oceano ele vem recebendo esgoto urbano de todos esses municípios, os peixes que ainda existem lá não conseguem chegar ao tamanho ideal, morrendo antes disso. Ele sofre quotidianamente além de esgoto sem tratamento e muito lixo, o desmatamento e aterramento dos seus manguezais. Somente 34% do esgoto de Aracaju é tratado, os 66% são despejados no rio que chega a cheirar mal, como forma de pedir socorro.
Hoje ele não parece o mesmo dos meus passeios na infância de tó-tó-tos... E penso que ele poderia está bem diferente, se não fosse a situação de abandono. O que me leva a acreditar que depois de mim, parece que mais ninguém se sentiu dono dele...
 
Texto por: Rafaela Barreto
Foto: Marina Licia